quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A tocante lenda do nascimento de Jesus‏

Jesus Cristo nasceu, em Belém logo em seguida ocorreu o massacre dos inocentes por Herodes. Quando os evangelhos foram escritos, muitos anos depois da morte de Jesus, ninguém sabia onde ele tinha nascido. Mas uma  profecia do Antigo Testamento (Miquéias 5,2) tinha levado os Judeus à expectativa de que o esperado Messias nasceria em Belém. A luz dessa  profecia, o Evangelho de João afirma textualmente que seus seguidores  ficaram surpresos com o fato de ele não ter nascido em Belém:” Outros diziam: Ele é o Cristo; outros, porém, perguntavam: Porventura, o Cristo virá da Galiléia? Não diz a Escritura que o Cristo vem da descendência de Davi e  da aldeia de Belém, donde era Davi?”
Mateus e Lucas lidaram com o problema de outra forma, concluindo que Jesus devia ter nascido em Belém, no fim das contas. Mas eles chegaram a essa conclusão por caminhos diferentes. 
Mateus coloca Maria e José em Belém desde sempre, tendo mudado para Nazaré só muito tempo depois do nascimento de Jesus, na volta do Egito, para onde tinham  fugido do rei Herodes e do massacre dos inocentes. Lucas, por outro lado, admite que Maria e José moravam em Nazaré antes de Jesus nascer. Como então levá – los a Belém no momento crucial, para cumprir a profecia? Lucas diz que, na época em que Quirino era governador da Síria, César Augusto ordenou  a realização de um censo, com fins tributários, e todo mundo tinha que ir “para a sua cidade”. José era da casa da “linhagem de Davi” e portanto tinha de ir para a “cidade de Davi”, que é chamada de Belém. Deve ter parecido uma boa solução. Tirando o fato de que, do ponto de vista histórico, ela é completamente absurda, como apontaram A. N. Wilson, em Jesus: O maior homem do mundo, e Robin Lane Fox, em Bíblia: Verdade e ficção. 
Davi, se existiu, viveu quase mil anos antes de Maria e José. Por que os romanos teriam exigido que José voltasse para a cidade onde um ancestral remoto havia vivido um milênio antes? É como se eu fosse abrigado a especificar Lisboa ou alguma vila portuguesa, como minha cidade no formulário do censo, se por acaso eu conseguisse rastrear minha ascendência até aos tataravôs de Cabral  ou antes disso. Além do mais, Lucas confunde as datas mencionando impiedosamente eventos que os historiadores são capazes de verificar como independência. Houve mesmo um censo sob o domínio do governador Quirino um censo localizado, não um que tivesse sido decretado por César Augusto para o Império inteiro -, mas ele aconteceu tarde demais: em 6 d.C., bem depois da morte de Herodes. Lane Fox conclui que “a história de Lucas é historicamente impossível e internamente incoerente” mas solidariza – se com o empenho e o desejo de Lucas de fazer cumprir a profecia de Miquéias.
Na edição de dezembro de 2004 da Free Inquiry, Tom Flynn, o editor dessa revista reuniu uma coleção de artigos documentando contradições e os buracos da adorada história de Natal. O próprio Flynn lista as muitas contradições entre Mateus e Lucas os dois únicos evangelistas que chegam a falar do nascimento de Jesus. 
Robert Gilooy mostra como todas as características mais essenciais da lenda de Jesus, incluindo a estrela de Belém, a virgindade da mãe, a veneração do bebê por reis, os milagres, a execução, a ressureição e a ascensão são empréstimos – cada uma delas – de outras religiões que já existiam na região do Mediterrâneo e do Oriente próximo. Flynn sugere que o desejo de Mateus de fazer cumprir as profecias messiânicas (descendência de Davi, nascimento em Belém), pelo bem dos leitores judaicos, entrou em rota de colisão com o desejo de Lucas de adaptar o cristianismo aos gentios, e portanto de atualizar pontos conhecidos e populares das regiões pagãs helênicas (virgindade da mãe adoração por reis etc.). 
As contradições resultantes são evidentes, mas sempre minimizadas por fiéis. Por que não perceber essas contradições evidentes? Um literalista não devia se preocupar com o fato de Mateus rastrear a descendência de José do rei Davi por 28 gerações intermediárias, enquanto Lucas fala em 41 gerações. O  pior é que quase não há coincidências nos nomes das duas listas! 
De qualquer  jeito, se Jesus nasceu mesmo de uma virgem, os ancestrais de José são  irrelevantes e não podem ser usados para fazer cumprir a favor de Jesus, a  profecia do Antigo Testamento de que o Messias deveria ser descendente de  Davi. Para quem não entendeu: Maria recebeu uma inseminação divinal, José não consumou o ato.

Pablo Brandão

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